Recentemente um gestor público, para
desconstruir a imagem de que a gestão pública é de uma incompetência de dar dó,
resolveu transferir essa responsabilidade para os engenheiros.
Este artigo mostra de uma forma muito
mais clara cono é que a coisa funciona.
Poderemos tirar alguma ilação dessa
incompetência gestacional com o Leite Lopes e as tentativas sucessivas de
ampliação em lugar de se construir um novo aeroporto?
Bons
projetos exigem planejamento, gestão e respeito à engenharia
O Brasil está praticamente a um
semestre da abertura da Copa do Mundo de Futebol da Fifa de 2014. E, em suas
áreas mais sensíveis e importantes para a sociedade, o transporte aeroportuário
e a mobilidade urbana, o panorama é no mínimo preocupante. Em seis dos 12
aeroportos das cidades-sede da Copa é real a ameaça de que as obras de
ampliação de sua capacidade, ultrapassada há anos, não sejam concluídas no
tempo exigido.
Na área de mobilidade urbana, a
situação não é diferente. A deficiência na gestão federal é a real causa e
origem desses problemas, embora alguns insistam em tentar tapar o sol com a
peneira, como fez recentemente o ministro-chefe da Secretaria da Aviação Civil
do governo federal, Wellington Moreira Franco, ao atribuir os atrasos nas obras
aeroportuárias aos engenheiros brasileiros, “que são ruins e fazem projetos
malfeitos”.
O Brasil foi escolhido para sediar a
Copa 2014 em 30 de outubro de 2007 e a Olimpíada 2016 em 2009. Esses sete anos
de antecedência para sediar os dois megaeventos esportivos mundiais seriam mais
do que suficientes para os governos, em todos os níveis, planejar o que
precisaria ser feito, desenvolver estudos, contratar bons projetos executivos e
executar as obras necessárias, especialmente em mobilidade urbana e aeroportos
– setores que permitiriam deixar um verdadeiro legado à sociedade, muito além
dos equipamentos esportivos exigidos.
Em 2010, foi instituída a chamada
“Matriz de Responsabilidades” para os diversos níveis de governo para as obras
da Copa. Porém, a ineficiência na gestão governamental é registrada pelo atraso
nas obras dos aeroportos em metade das cidades-sede e na confissão, pelos
ministros Miriam Belchior, do Planejamento, e Aguinaldo Ribeiro, das Cidades,
de que o plano anunciado pela presidente Dilma Rousseff após as manifestações
de junho último de investir R$ 50 bilhões em mobilidade urbana não teria
condições de ser cumprido na íntegra “por falta de projetos na prateleira”.
O que fica evidente nos
pronunciamentos desses importantes ministros do governo federal é a tentativa
de buscar um “bode expiatório”. Sabemos que é difícil, quase impossível, para
qualquer político ocupante de cargo público executivo admitir a incompetência,
própria e do governo ao qual pertence. É muito mais simples tentar jogar a
culpa pelo não cumprimento dos prazos em terceiros. Mas isto não ajuda
minimamente a resolver as deficiências, assim como não adianta à avestruz
enfiar a cabeça no buraco – o restante continua ostensivamente à vista.
O setor de projetos de arquitetura e
engenharia infelizmente não tem como corrigir as deficiências gerenciais do
governo, mas pode sim alertar os administradores públicos sobre a necessidade
de planejar bem e contratar bons projetos para os empreendimentos públicos. Não
é uma tarefa fácil. Nós, do Sinaenco, sindicato que reúne mais de 23 mil
empresas do setor de projetos, gerenciamento e supervisão de obras, dos mais
diversos portes, vimos desde 2007alertando para a necessidade de planejamento.
Aliás, lançamos, em junho de 2009, um relatório intitulado “Vitrine ou Vidraça
– Desafios do Brasil para a Copa 2014”, resultado de uma série de 17 eventos
que promovemos, entre 2008 e início de 2009, em cidades então candidatas a
sediar uma chave do campeonato mundial de futebol. Nesses eventos, foram
analisados os principais problemas de cada uma delas e do governo federal, para
que evitássemos virar “vidraça” para o resto do mundo.
A necessidade de planejar bem e
contratar bons projetos executivos pela melhor solução técnica constituíram-se
em “mantra” de nosso setor, apregoado em um sem-número de artigos, entrevistas
e reportagens, além de palestras e em eventos promovidos por órgãos públicos e
entidades. A contratação de bons projetos, porém, exige planejar bem, incluindo
o prazo necessário para o seu desenvolvimento.
Em países como Alemanha e Japão esse
prazo exige entre 40% e 50% do tempo a ser despendido com a execução da obra;
no Brasil, essa relação chega a ser inferior a 10%! Os países desenvolvidos
respeitam a arquitetura e a engenharia. Sabem que os projetos contratados pela
melhor solução técnica garantem qualidade e execução nos custos e nos prazos
previstos. No Brasil, soma-se o desrespeito à engenharia à ignorância
generalizada sobre o papel essencial e insubstituível do projeto no resultado
final de uma obra pública – seja na qualidade, nos custos e nos prazos. Para
isso, é preciso contratar projetos pela melhor solução técnico-econômica e não
pelo menor preço.
E reservar o prazo adequado à elaboração de um
“serviço técnico especializado de natureza predominantemente intelectual”. Aos
nossos governantes, é preciso lembrar, ou informar, em alguns casos, que a
arquitetura e a engenharia são instrumentos indispensáveis ao desenvolvimento e
engenheiros e arquitetos são os operadores desse desenvolvimento. E, mais
ainda, que o Brasil dispõe de profissionais altamente qualificados nesses
setores: o “técnico” e a “cartolagem”, porém, não estão sabendo tirar proveito
da competência que têm à sua disposição.
Assim, contratar projeto por pregão
ou por menor preço, prática que infelizmente tem sido comum em nosso país,
seria, por analogia, como se nossas autoridades estivessem com uma dor de dente
insuportável e escolhessem para o tratamento o dentista que ofereceu o menor
preço. Ou que uma renomada montadora de automóveis contratasse o projetista que
propôs o valor mais baixo – e não a expertise e a melhor solução - para
desenvolver o projeto de seu carro top de linha.
Planejar bem, contratar projetos pela
melhor solução técnico-econômica, pelo valor adequado – e nunca pelo menor
preço ou por pregão -, com o prazo necessário ao seu desenvolvimento é uma
receita eficaz para a conquista de qualidade, com controle rigoroso de seus
custos e do prazo de execução. O bom projeto executivo é também, por isso, o
que denominamos de uma “vacina anticorrupção”.
Para resolver a ineficiência da
administração pública brasileira não adianta importar administradores cubanos,
por exemplo. A solução está no Brasil e na busca real por administradores
capazes, planejadores eficientes, que pensem nas próximas duas décadas, no
mínimo, e não apenas na próxima eleição, que ocorre a cada dois anos. Senão,
nossos governantes podem virar a “vidraça” da vez, nas manifestações e na
insatisfação generalizada da sociedade.
Por:
José Roberto Bernasconi, presidente Sinaenco/SP
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