sábado, 2 de agosto de 2014

A GÊNESE DO MOVIMENTO PRO NOVO AEROPORTO EM RIBEIRÃO PRETO e o PAPAI NOEL LEITE LOPES

Ribeirão Preto já viveu tempos de grande atividade da sociedade civil na elaboração das políticas públicas da cidade. Foi uma época de grandes iniciativas, com pouco papo furado e muitas ações realmente pró-ativas.

Uma dessas ações foi a elaboração pioneira do seu Plano Diretor onde se delinearam as diretrizes básicas do desenvolvimento do município.

Foram bons tempos, onde a cidadania realmente  estava presente.

Como eram diretrizes gerais todos os setores – político, corporativo e associativo – estavam unanimes na aprovação dessa lei, resultado do consenso das discussões produtivas de todos os envolvidos.

Essa lei do Plano Diretor foi publicada em 1995!

E num de seus artigos[1], constava que o aeroporto deveria ser remanejado para fora do Anel Viário (naquela época, o anel viário era um dos demarcadores da área urbana).

Toda essa glamorosa convivência corporativo-política com a cidadania para garantir a qualidade de vida da cidade constituiu uma lua-de-mel idílica até que os interesses privados se chocaram com os interesses da cidadania, como pode ser observado, ainda nos tempos atuais, nas “brigas” políticas para as sucessivas revisões das Leis do Plano Diretor, em particular as do Uso e Ocupação do Solo.

Um desses “choques culturais” foi o aeroporto da cidade, o Leite Lopes.

Em 1997 o governo norte americano, por intermédio da TDA[2], contratou a Agência de Desenvolvimento Tietê-Paraná[3] (ADTP) para coordenar o estudo sobre a transformação do aeroporto Leite Lopes em internacional.

Esse estudo, elaborado pela empresa norte-americana Wolpert Inc.,  custou à TDA  em torno de US$ 300.000,00,  e foi doado a fundo perdido!

Logo em seguida algumas entidades ligadas ao setor empresarial  que defenderam a remoção do Leite Lopes para local mais adequado, incluindo essa necessidade na lei do Plano Diretor em 1995, tornaram-se defensoras irredutíveis pela sua ampliação, considerando que a localização é ótima e não faz mal a ninguém e o progresso não pode parar!

Nada como um bom negócio para fazer virar a casaca. Alguns chamam isso de pragmatismo.

O projeto da TDA/Wolpert foi dirigido especificamente para a expansão do Leite Lopes e não para a construção de um aeroporto novo, tendo como principal vetor de projeto a redução de custos! Se essa ampliação era interessante para Ribeirão e região, não constava do escopo desse trabalho.

A análise desse projeto  demonstrou o total descompasso com a realidade técnica e das políticas e normas brasileiras para aeroportos e por isso mereceu o repúdio da sociedade civil e de especialistas da área que acionaram o Ministério Público, que passou a intervir no processo.

Mas algumas coisas ficaram marcadas pela sua singularidade:

Uma das características da tal TDA consiste em que financia, a fundo perdido, estudos que gerem renda e emprego para os cidadãos norte-americanos e que garantam a participação de empresas norte americanas no empreendimento.

Uma afirmação nesse estudo está em que “certas alternativas são proibidas por lei mas, no Brasil, as leis são muito flexíveis”. E parece que não exageraram porque se era exigido por lei a remoção do Leite Lopes, aceitar a sua ampliação foi flexibilizar (e muito) a legislação em vigor na época.

Ficou estranho que alguns agentes da sociedade civil que apoiaram a relocação do Leite Lopes em 1995, apenas dois anos depois, tenham mudado de opinião.

Poderiam, pelo menos, ter sugerido construir um aeroporto novo, nem que fosse para fingir que eram partidários de estudos sérios.

Outro fato interessante é que o Relatório estimava em US$ 20.000.000,00 o custo total da ampliação  e que esse valor era tão pequeno que seria difícil de obter financiamento internacional....

A proposta do projeto da TDA/Wolpert foi  analisada e amplamente discutida no COMUR[4], por iniciativa de sua Ouvidoria, que elaborou um Relatório demonstrando a inviabilidade da ampliação e sugerindo uma coisa simples: a construção de um aeroporto novo, conforme determinava a legislação municipal.

Desde o anúncio de que o Leite Lopes seria ampliado – os interesses corporativos nem cogitavam a hipótese contrária e muito menos a da construção de um novo aeroporto – a mídia cantava em versos e prosa as vantagens desse empreendimento e o governo municipal deu todo  o apoio ao empreendimento e a própria Câmara Municipal passou a analisar o projeto, criando uma Comissão Especial de Estudos (CEE).

A parceria entre o Executivo e o Legislativo para justificar a viabilidade política do empreendimento alcança níveis histriônicos inimagináveis que ficaram registrados nas atas da CEE[5] (grifos nossos):

[...] oitiva do senhor Dr [...] às 14:30 horas teve inicio a reunião. O presidente [da CEE] teceu comentários iniciais sobre a intenção da Comissão, que é imparcial sobre o assunto, somente a finalidade dela é embasar-se no depoimento de pessoas interessadas  e conhecedoras que auxiliarão na formação de um juízo do melhor que possa ser para a população.

[...]perguntado se o depoente tem conhecimento  de outras cidades dentro do país ou até mesmo fora de aeroportos que fiquem dentro da cidade , disse que são inúmeros aeroportos nessa situação. E que não considera o aeroporto como dentro da cidade.”

Se o Leite Lopes não está dentro da cidade, onde será que está?

E o nobre vereador, presidente da CEE, parece concordar com o depoimento, já que não fez essa pergunta ao depoente, convidado que foi por ser pessoa conhecedora[6]!

Todas as ações foram promovidas tendo como objetivo consolidar a inevitabilidade da ampliação e teve a adesão quase unanime das mídias locais.

A sociedade civil, reunindo as verdadeiras forças vivas da cidade, recusou-se em aceitar a ampliação do Leite Lopes  sem o aval de estudos sérios não só de engenharia de aeroportos mas que também fossem levados em conta  estudos socioambientais e econômicos e que a alternativa novo aeroporto  também fosse considerada, não tendo como única justificativa que a ampliação seria  a condição de menor custo, ou seja, a “mais baratinha”.

Ribeirão Preto é uma cidade que merece respeito e não pode ficar â mercê de interesses exclusivamente econômicos e interessantes apenas para alguns setores muito específicos.

A cidade não aceitava que o aeroporto Leite Lopes se tornasse um novo Congonhas, ou seja, um aeroporto meia boca. Por isso tinha que se insurgir!

Nascia, agora, de forma organizada, o Movimento Pro Novo Aeroporto tendo reunindo diversas entidades tais como a Associação Ecológica e  Cultural Pau Brasil, a Associação Humanística de Ribeirão Preto, a Associação de Moradores  do Jardim Aeroporto, a Associação de Moradores da Vila Hípica, entre muitas outras, além de personalidades diversas.

Para fazer face a esse Movimento, além da manipulação da informação publica pela mídia, o poder político cooptado pelo poder econômico passaram a tentar cooptar diretorias de Associações de Moradores através do que chamaram de Agenda Positiva, que de positiva não tinha nada e que o Movimento Pro Novo Aeroporto denominava de Papai Noel Leite Lopes.

Vamos ver alguns exemplos:

Na reunião da Agenda Positiva de 12/06/1999 foi dado como que um ultimato a todos os representantes das comunidades atingidas pelo empreendimento, tentando enganá-los com a sua inevitabilidade:


E qual seria essa Agenda Positiva e quem poderia participar dela? Na reunião do dia 01/12/1999 tudo começa a ficar mais claro:


Passa a ficar claro que a Associação de Moradores  que fosse contra o empreendimento ficaria de fora das discussões da Agenda, numa demonstração clara que não se admitiriam opiniões contrárias às político-administrativas do poder público municipal e estadual, coligados para a privatização do patrimônio público enfatizado como já decidido e por isso irreversível, ou como afirmado no dia 12/06/99 essa decisão não dependeria de posicionamentos de populares ou entidades civis.

Um exemplo de como as coisas em Ribeirão Preto acontecem na “democracia da república dos canaviais”, eliminando-se da discussão os elementos contrários à vontade dominante dos negócios.

Também admitem que só serão considerados no Edital os compromissos assumidos perante os membros da Agenda Positiva que forem aceites pela Comissão de Licitação! Isto é, se a Comissão de Licitação não concordar com nada, a tal Agenda Positiva terá sido inútil.

Daí nasceu o termo “Papai Noel Leite Lopes”. Os moradores do entorno do Leite Lopes são pobres, de baixa escolaridade mas não são fáceis de engabelar.

Tentaram ainda jogar com a ganância das pessoas presentes afirmando que vai haver uma valorização imobiliária por causa do empreendimento. É a mesma técnica usada no golpe do bilhete premiado.

E a maior de todas: será criada uma Escola Profissionalizante para oferecer cursos para a comunidade do complexo aeroporto, com cursos preferencialmente  de profissões típicas de aeroportos!  E quais seriam esses cursos?

E prosseguem nessas promessas de Papai Noel, conforme definido na reunião  do dia 09/05/2000 onde é reiterada a implantação de cursos profissionalizantes com a condição adicional de que serão preferenciais e ou exclusivos para os moradores locais:

Questionando as afirmações do Papai Noel Leite Lopes se esses cursos podem ser exclusivos para os moradores locais, a resposta é evasiva: não sabe mas o que importa é que é uma justa medida...

Como resultado final de todas estas Agenda Positivas do Papai Noel Leite Lopes, o Movimento Pro Novo Aeroporto, através de diversas associações de moradores, tomou a iniciativa de levar ao conhecimento do Ministério Público dos fatos ocorridos:


O Grito de Liberdade da Periferia contra a ampliação do aeroporto e seus malefícios foi realizado e incluiu o evento de plantio de árvores. A mídia convidada não apareceu.

Era a confirmação da proibição à mídia de noticiar as atividades do Movimento Pro Novo Aeroporto.

Chegamos ao final do primeiro capitulo da novela A Ampliação do Leite Lopes.

A ênfase dada para a tal inevitabilidade e irreversibilidade da ampliação não se concretizou.

Até hoje, passados mais de 14 anos. O que significa que o projeto de ampliação do Leite Lopes em lugar de construção de um novo aeroporto é absolutamente inconsistente.

E nesse tempo já teria sido possível ter construído um novo aeroporto, que já estaria em operação.

Um Movimento Popular, sem nenhum apoio da mídia local mas através de ações consistentes tem conseguido barrar um empreendimento que insiste em se instalar no Leite Lopes quando poderia muito bem ser implantado num aeroporto a sério, em local adequado, com qualidade para os seus passageiros e cargas e com a capacidade de ampliações futuras de forma a atender às necessidades do desenvolvimento regional, dando-se outra destinação, também aeronáutica e aviônica, ao Leite Lopes.

Aeroporto novo, em local adequado, dentro dos padrões que o atual momento de demanda pelo modal aeronáutico exige,  sem causar danos sócio ambientais nem o caos urbanístico que as obras previstas para essa ampliação causariam a Ribeirão Preto.

A Saga do Leite Lopes e do Novo Aeroporto ainda não acabou. Voltou ao judiciário.  Por isso o Movimento Pro Novo Aeroporto continua atuante porque é composto por todos os segmentos lúcidos da sociedade, porque é um movimento que teve a sua origem em reivindicações genuinamente populares.

Podem vir com as Agendas Positivas Papai Noel Leite Lopes  que quiserem porque o Povo esclarecido jamais será iludido, nem mesmo com a manipulação da opinião pública.



[1] Lei Complementar 501/95 art. 29 item X: prever área para nova localização do aeroporto, externamente ao Anel Viário, visando menor interferência na área urbanizada
[2]  TDA Trade and Development Agency (Agência de Negócios e Desenvolvimento)
[3] Depoimento do Secretário de Planejamento  à CEE da Câmara Municipal a fls. 10
[4] COMUR Conselho Municipal de Urbanismo
[5] Ata do dia 12/08/97 fls. 9 e 11
[6] O depoente era o Secretário de Planejamento