sábado, 30 de maio de 2015

A POLITICA HABITACIONAL DE RIBEIRÃO PRETO, O LEITE LOPES E A REFAVELIZAÇÃO

As áreas vazias como atrativo para favelas


A falta de políticas públicas de moradia popular é um dos principais geradores da favelização das cidades. Não é novidade para ninguém mas poucos têm tido a coragem de se referir a esse fenômeno social de forma objetiva, preferindo as justificativas e explicações pela filantropia demagógica ou a argumentos de patologia de comportamento social.

Numa entrevista com o arq. Nabil Georges Bonduki, secretário de Cultura do município de S. Paulo, confirma:

Na periferia, muitos espaços eram destinados para praças, pois, quando há um loteamento, este deve doar para a prefeitura uma porcentagem do terreno para áreas verdes, institucionais etc. Só que essas áreas, em vez de serem destinadas para o coletivo, ficaram muitas vezes abandonadas, porque o poder público não implantou praças. Depois,  por carência de política de habitação, acabaram ocupadas por favelas e assentamentos precários.[i]

Somando-se falta de políticas publicas de habitação popular com áreas abandonadas, criam-se glebas ocupáveis por favelas ou outros tipos de assentamentos precários. Ou, talvez, buscando-se uma melhor resposta para a infestação desses tipos de urbanização, não haja falta de política publica de moradia popular mas sim que essa falta seja exatamente a política pública em uso.

Dessa forma, o estado não cumprindo as suas obrigações de efetivar o uso social das áreas não ocupadas nos loteamentos de baixa classe média (os remediados entre os pobres) estará incentivando  a sua ocupação pelos mais pobres e alguns espertos que vêm nessas urbanizações oportunidades de negócios imobiliários.

A favelização incentivada pela burguesia

A burguesia sentindo-se encurralada e não querendo pobres próximos de seus bairros, filantropicamente disfarçada, assume atitudes solidárias, progressistas e sociais, toma decisões de incentivar e de validar essas ocupações,  garantindo a segregação social de modo  que os pobres se amontoem em verdadeiros guetos.

Agindo dessa forma, as classes média e alta que têm as suas áreas publicas bem implantadas, não se atormentam porque sabem que não terão uma vizinhança de favelados.

Esse modelo tem sido amplamente aplicado em Ribeirão Preto nos últimos anos.  Têm ocorrido tantas ocupações em áreas publicas e mesmo particulares, que logo mais será necessário importar pobre para ocupar todas elas.


A favelização como consequência da exploração dos trabalhadores

E resta ainda uma pequena pergunta: Porque razão só existem favelas nas cidades grandes e médias (como Ribeirão Preto)?

Porque nessas cidades a necessidade de mão de obra é muito grande (corte de cana e construção civil por exemplo) e, quando o serviço acaba, esses trabalhadores são simplesmente abandonados à sua sorte e não têm outra alternativa senão ocuparem barracos em favelas porque não têm serviço fixo que lhes garanta uma renda adequada.

Ocupam esses barracos, não pagam energia elétrica, não pagam água, não pagam IPTU e pagam pequenos alugueis ou compram essas “moradias” dos “investidores imobiliários” especializados nesses negócios. Muitas vezes são enganados porque esses “investidores” lhes garantem que serão retirados pela prefeitura e ganharão casas.

A maioria dessas áreas ocupadas consolidam-se e  tornam-se permanentes e dessa forma as cidades se degradam desenvolvendo-se a descriminação de suas populações, criando-se guetos e sempre se insinuando que favelado é um marginal e um bandido.


Mas o que é que o Leite Lopes tem a ver com a refavelização em Ribeirão Preto?

Algumas áreas que já sofreram o desalojamento mas permaneceram sem uso, foram reocupadas. Essas favelas ocupavam o espaço destinado ao aumento da área patrimonial do Leite Lopes, para garantir as normas de segurança das operações dos aviões.

Foram apenas  as partes das favelas que interferiam com o remanejamento  da R. Americana e a R. Pouso Alegre. As partes das favelas que não interferiam nessa relocação viária nem mesmo foram mexidas e muito menos urbanizadas e representam a imensa maioria das áreas ocupadas por favelas.

E chamaram a esse desfavelamento cirúrgico de ganho social decorrente do Papai Noel Leite Lopes.

Não foi a implantação dum projeto de desfavelamento mas sim de limpeza do terreno, da mesma forma que se limpa o mato,  se limpou a gente que “astrapalhava o progréssio”.

Retiraram e botaram esse estorvo  lá para as outras bandas da cidade, em casas ou apartamentos, sem nenhum critério e sem nenhum trabalho social de conscientização e preparo para a mudança.

Aquele preparo mínimo que uma vez o juiz Gandini definiu como sendo “tirar as pessoas da favela e tirar a favela da cabeça das pessoas”. Muitas famílias ficaram sem renda porque nos terrenos dos barracos tinham espaço para armazenarem os recicláveis para venda e nas novas moradias não.

Por isso ficaram sem condições econômicas de pagarem as prestações das casas que “ganharam” assim como todas as outras despesas inerentes à “doação”.

O poder público municipal após o desalojamento dessas famílias que “astrapalhavam o progréssio” poderia ter simplesmente deslocado a cerca do Leite Lopes, remanejado as vias e pronto.

Mas para fazer isso teria também que desalojar as famílias que não são faveladas. Teria que publicar o decreto de interesse publico, proceder às desapropriações e teriam como reação a indignação das pessoas que vivem enganadas pelo tal Papai Noel Leite Lopes, subornadas pela hipotética e imaginária supervalorização dos terrenos por causa da internacionalização do aeroporto.

Isso não interessava à propaganda do “progréssio” porque ficaria evidente que seria às custas das economias de uma vida inteira de trabalho  de famílias pobres e remediadas para facilitar os negócios de alguns privilegiados, gerando a revolta popular, pois almejam enfrentar a inevitável indignação popular com o uso por força judicial, somente no final do processo.

Para impedir novas ocupações, deixaram todos os escombros no local, como criadores de vetores urbanos tais como mosquitinhos da dengue, escorpiões, ratos e outros, além dos vazamentos de água das antigas ligações clandestinas dos barracos.

As obras não foram feitas, impediram a indignação popular e ficaram aguardando. Tanto aguardaram que as áreas foram novamente ocupadas, inclusive por alguns dos antigos ocupantes. Outros, novos, têm a ilusão de que vão “ganhar” casa de graça.

A especulação imobiliária das favelas corre solta na área. Além da refavelização das antigas favelas derrubadas, novas estão sendo implantadas e não é só no entorno do Leite Lopes. É pela cidade inteira.


Escombros da limpeza social. Note-se que
 apenas parte da favela foi removida. O
restante, que não estorvava, permaneceu no local



Nas áreas vazias pela limpeza social inicial, a refavelização já está em curso



A tradicional propaganda que as obras começarão em breve

Agora afirmam que a partir de Setembro próximo as obras de responsabilidade do estado e do município vão começar. Será?

Ano que vem teremos eleições municipais. Os políticos ligados ao governo municipal e aos partidos  do governo estadual vão querer perder os bons votos de seus amigos desamparados que moram nas favelas e dos futuros desapropriados a preço de banana[i]?

Sabemos que o governo federal não vai colocar um centavo no Leite Lopes enquanto que a situação judicial do Leite Lopes não esteja resolvida. Será que vai estar resolvida até Setembro, quando o governo estadual afirma, por intermédio de nossos edis genuflexíveis, que as obras vão começar?

Se não existisse o entrave de benesses a um setor econômico especifico ligado ao Leite Lopes, já teríamos um aeroporto novo e decente operando em Ribeirão Preto a um custo um pouco maior que o destinado a um puxadinho no Leite Lopes que dificilmente irá ocorrer.


Congonhas em Ribeirão Não!
Leite Lopes ampliado = mais favelas
e maior risco de acidentes.
Novo aeroporto em nova área



[i] Por acaso alguém conhece alguma desapropriação cuja indenização permitiu a compra de um bem equivalente ao desapropriado? Pela Constituição a indenização tem que ser pelo preço justo e as normas  de avaliação obrigam ao custo de reposição do bem e não pelo valor de mercado.








[i] Revista pagina 22 edição 95 Maio 2015 FGV pag 15

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