As áreas vazias como atrativo para favelas
A falta de políticas públicas de moradia
popular é um dos principais geradores da favelização das cidades. Não é
novidade para ninguém mas poucos têm tido a coragem de se referir a esse
fenômeno social de forma objetiva, preferindo as justificativas e explicações
pela filantropia demagógica ou a argumentos de patologia de comportamento
social.
Numa entrevista com o arq. Nabil Georges
Bonduki, secretário de Cultura do município de S. Paulo, confirma:
Na periferia, muitos espaços eram destinados
para praças, pois, quando há um loteamento, este deve doar para a prefeitura
uma porcentagem do terreno para áreas verdes, institucionais etc. Só que essas
áreas, em vez de serem destinadas para o coletivo, ficaram muitas vezes
abandonadas, porque o poder público não implantou praças. Depois, por carência de política de habitação,
acabaram ocupadas por favelas e assentamentos precários.[i]
Somando-se falta de políticas publicas de
habitação popular com áreas abandonadas, criam-se glebas ocupáveis por favelas
ou outros tipos de assentamentos precários. Ou, talvez, buscando-se uma melhor
resposta para a infestação desses tipos de urbanização, não haja falta de
política publica de moradia popular mas sim que essa falta seja exatamente a
política pública em uso.
Dessa forma, o estado não cumprindo as suas
obrigações de efetivar o uso social das áreas não ocupadas nos loteamentos de
baixa classe média (os remediados entre os pobres) estará incentivando a sua ocupação pelos mais pobres e alguns
espertos que vêm nessas urbanizações oportunidades de negócios imobiliários.
A favelização incentivada pela burguesia
A burguesia sentindo-se encurralada e não
querendo pobres próximos de seus bairros, filantropicamente disfarçada, assume
atitudes solidárias, progressistas e sociais, toma decisões de incentivar e de
validar essas ocupações, garantindo a
segregação social de modo que os pobres se
amontoem em verdadeiros guetos.
Agindo dessa forma, as classes média e alta
que têm as suas áreas publicas bem implantadas, não se atormentam porque sabem
que não terão uma vizinhança de favelados.
Esse modelo tem sido amplamente aplicado em
Ribeirão Preto nos últimos anos. Têm
ocorrido tantas ocupações em áreas publicas e mesmo particulares, que logo mais
será necessário importar pobre para ocupar todas elas.
A favelização como consequência da exploração dos
trabalhadores
E resta ainda uma pequena pergunta: Porque
razão só existem favelas nas cidades grandes e médias (como Ribeirão Preto)?
Porque nessas cidades a necessidade de mão de
obra é muito grande (corte de cana e construção civil por exemplo) e, quando o
serviço acaba, esses trabalhadores são simplesmente abandonados à sua sorte e
não têm outra alternativa senão ocuparem barracos em favelas porque não têm
serviço fixo que lhes garanta uma renda adequada.
Ocupam esses barracos, não pagam energia
elétrica, não pagam água, não pagam IPTU e pagam pequenos alugueis ou compram
essas “moradias” dos “investidores imobiliários” especializados nesses
negócios. Muitas vezes são enganados porque esses “investidores” lhes garantem
que serão retirados pela prefeitura e ganharão casas.
A maioria dessas áreas ocupadas consolidam-se
e tornam-se permanentes e dessa forma as
cidades se degradam desenvolvendo-se a descriminação de suas populações,
criando-se guetos e sempre se insinuando que favelado é um marginal e um
bandido.
Mas o que é que
o Leite Lopes tem a ver com a refavelização em Ribeirão Preto?
Algumas áreas que já sofreram o desalojamento
mas permaneceram sem uso, foram reocupadas. Essas favelas ocupavam o espaço
destinado ao aumento da área patrimonial do Leite Lopes, para garantir as
normas de segurança das operações dos aviões.
Foram apenas
as partes das favelas que interferiam com o remanejamento da R. Americana e a R. Pouso Alegre. As partes
das favelas que não interferiam nessa relocação viária nem mesmo foram mexidas
e muito menos urbanizadas e
representam a imensa maioria das áreas ocupadas por favelas.
E chamaram a esse desfavelamento cirúrgico de ganho
social decorrente do Papai Noel Leite Lopes.
Não foi a implantação dum projeto de
desfavelamento mas sim de limpeza do terreno, da mesma forma que se limpa o
mato, se limpou a gente que “astrapalhava
o progréssio”.
Retiraram e botaram esse estorvo lá para as outras bandas da cidade, em casas
ou apartamentos, sem nenhum critério e sem nenhum trabalho social de
conscientização e preparo para a mudança.
Aquele preparo mínimo que uma vez o juiz
Gandini definiu como sendo “tirar as pessoas da favela e tirar a favela da
cabeça das pessoas”. Muitas famílias ficaram sem renda porque nos terrenos dos
barracos tinham espaço para armazenarem os recicláveis para venda e nas novas
moradias não.
Por isso ficaram sem condições econômicas de
pagarem as prestações das casas que “ganharam” assim como todas as outras
despesas inerentes à “doação”.
O poder público municipal após o desalojamento
dessas famílias que “astrapalhavam o progréssio” poderia ter simplesmente
deslocado a cerca do Leite Lopes, remanejado as vias e pronto.
Mas para fazer isso teria também que desalojar
as famílias que não são faveladas. Teria que publicar o decreto de interesse
publico, proceder às desapropriações e teriam como reação a indignação das
pessoas que vivem enganadas pelo tal Papai Noel Leite Lopes, subornadas pela
hipotética e imaginária supervalorização dos terrenos por causa da
internacionalização do aeroporto.
Isso não interessava à propaganda do “progréssio”
porque ficaria evidente que seria às custas das economias de uma vida inteira
de trabalho de famílias pobres e
remediadas para facilitar os negócios de alguns privilegiados, gerando a
revolta popular, pois almejam enfrentar a inevitável indignação popular com o
uso por força judicial, somente no final do processo.
Para impedir novas ocupações, deixaram todos
os escombros no local, como criadores de vetores urbanos tais como mosquitinhos
da dengue, escorpiões, ratos e outros, além dos vazamentos de água das antigas
ligações clandestinas dos barracos.
As obras não foram feitas, impediram a
indignação popular e ficaram aguardando. Tanto aguardaram que as áreas foram
novamente ocupadas, inclusive por alguns dos antigos ocupantes. Outros, novos,
têm a ilusão de que vão “ganhar” casa de graça.
A especulação imobiliária das favelas corre
solta na área. Além da refavelização das antigas favelas derrubadas, novas
estão sendo implantadas e não é só no entorno do Leite Lopes. É pela cidade
inteira.
Escombros da limpeza social.
Note-se que apenas parte da favela foi removida. O restante, que não estorvava, permaneceu no local |
Nas áreas vazias pela limpeza social inicial, a refavelização já está em curso |
A tradicional propaganda que as obras começarão em
breve
Agora afirmam que a partir de Setembro próximo
as obras de responsabilidade do estado e do município vão começar. Será?
Ano que vem teremos eleições municipais. Os
políticos ligados ao governo municipal e aos partidos do governo estadual vão querer perder os bons
votos de seus amigos desamparados que moram nas favelas e dos futuros desapropriados
a preço de banana[i]?
Sabemos que o governo federal não vai colocar
um centavo no Leite Lopes enquanto que a situação judicial do Leite Lopes não esteja
resolvida. Será que vai estar resolvida até Setembro, quando o governo estadual
afirma, por intermédio de nossos edis genuflexíveis, que as obras vão começar?
Se não existisse o entrave de benesses a um
setor econômico especifico ligado ao Leite Lopes, já teríamos um aeroporto novo
e decente operando em Ribeirão Preto a um custo um pouco maior que o destinado
a um puxadinho no Leite Lopes que dificilmente irá ocorrer.
Congonhas em Ribeirão Não!
Leite
Lopes ampliado = mais favelas
e
maior risco de acidentes.
Novo aeroporto em nova área
já
[i] Por acaso alguém conhece alguma desapropriação cuja
indenização permitiu a compra de um bem equivalente ao desapropriado? Pela
Constituição a indenização tem que ser pelo preço justo e as normas de avaliação obrigam ao custo de reposição do
bem e não pelo valor de mercado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário