Ribeirão
Preto já viveu tempos de grande atividade da sociedade civil na elaboração das
políticas públicas da cidade. Foi uma época de grandes iniciativas, com pouco
papo furado e muitas ações realmente pró-ativas.
Uma dessas
ações foi a elaboração pioneira do seu Plano Diretor onde se delinearam as
diretrizes básicas do desenvolvimento do município.
Foram bons
tempos, onde a cidadania realmente
estava presente.
Como eram
diretrizes gerais todos os setores – político, corporativo e associativo –
estavam unanimes na aprovação dessa lei, resultado do consenso das discussões
produtivas de todos os envolvidos.
Essa lei do
Plano Diretor foi publicada em 1995!
E num de
seus artigos[1],
constava que o aeroporto deveria ser remanejado para fora do Anel Viário
(naquela época, o anel viário era um dos demarcadores da área urbana).
Toda essa
glamorosa convivência corporativo-política com a cidadania para garantir a
qualidade de vida da cidade constituiu uma lua-de-mel idílica até que os
interesses privados se chocaram com os interesses da cidadania, como pode ser
observado, ainda nos tempos atuais, nas “brigas” políticas para as sucessivas
revisões das Leis do Plano Diretor, em particular as do Uso e Ocupação do Solo.
Um desses “choques
culturais” foi o aeroporto da cidade, o Leite Lopes.
Em 1997 o
governo norte americano, por intermédio da TDA[2],
contratou a Agência de Desenvolvimento Tietê-Paraná[3]
(ADTP) para coordenar o estudo sobre a transformação do aeroporto Leite Lopes
em internacional.
Esse estudo,
elaborado pela empresa norte-americana Wolpert Inc., custou à TDA em torno de US$ 300.000,00, e foi doado a fundo perdido!
Logo em
seguida algumas entidades ligadas ao setor empresarial que defenderam a remoção do Leite Lopes para
local mais adequado, incluindo essa necessidade na lei do Plano Diretor em
1995, tornaram-se defensoras irredutíveis pela sua ampliação, considerando que
a localização é ótima e não faz mal a ninguém e o progresso não pode parar!
Nada como
um bom negócio para fazer virar a casaca. Alguns chamam isso de pragmatismo.
O projeto da
TDA/Wolpert foi dirigido especificamente para a expansão do Leite Lopes e não
para a construção de um aeroporto novo, tendo como principal vetor de projeto a
redução de custos! Se essa ampliação era interessante para Ribeirão e região,
não constava do escopo desse trabalho.
A análise
desse projeto demonstrou o total
descompasso com a realidade técnica e das políticas e normas brasileiras para
aeroportos e por isso mereceu o repúdio da sociedade civil e de especialistas
da área que acionaram o Ministério Público, que passou a intervir no processo.
Mas algumas
coisas ficaram marcadas pela sua singularidade:
Uma das
características da tal TDA consiste em que financia, a fundo perdido, estudos
que gerem renda e emprego para os cidadãos norte-americanos e que garantam a
participação de empresas norte americanas no empreendimento.
Uma
afirmação nesse estudo está em que “certas alternativas são proibidas por lei
mas, no Brasil, as leis são muito flexíveis”. E parece que não exageraram
porque se era exigido por lei a remoção do Leite Lopes, aceitar a sua ampliação
foi flexibilizar (e muito) a legislação em vigor na época.
Ficou
estranho que alguns agentes da sociedade civil que apoiaram a relocação do
Leite Lopes em 1995, apenas dois anos depois, tenham mudado de opinião.
Poderiam,
pelo menos, ter sugerido construir um aeroporto novo, nem que fosse para fingir
que eram partidários de estudos sérios.
Outro fato
interessante é que o Relatório estimava em US$ 20.000.000,00 o custo total da
ampliação e que esse valor era tão
pequeno que seria difícil de obter financiamento internacional....
A proposta
do projeto da TDA/Wolpert foi analisada
e amplamente discutida no COMUR[4],
por iniciativa de sua Ouvidoria, que elaborou um Relatório demonstrando a
inviabilidade da ampliação e sugerindo uma coisa simples: a construção de um
aeroporto novo, conforme determinava a legislação municipal.
Desde o anúncio
de que o Leite Lopes seria ampliado – os interesses corporativos nem cogitavam
a hipótese contrária e muito menos a da construção de um novo aeroporto – a
mídia cantava em versos e prosa as vantagens desse empreendimento e o governo
municipal deu todo o apoio ao
empreendimento e a própria Câmara Municipal passou a analisar o projeto,
criando uma Comissão Especial de Estudos (CEE).
A parceria
entre o Executivo e o Legislativo para justificar a viabilidade política do
empreendimento alcança níveis histriônicos inimagináveis que ficaram
registrados nas atas da CEE[5]
(grifos nossos):
[...] oitiva do senhor Dr [...] às 14:30 horas teve
inicio a reunião. O presidente [da CEE] teceu comentários iniciais sobre a
intenção da Comissão, que é imparcial sobre o assunto, somente a finalidade
dela é embasar-se no depoimento de
pessoas interessadas e conhecedoras que auxiliarão na formação
de um juízo do melhor que possa ser para a população.
[...]perguntado se o depoente tem conhecimento de outras cidades dentro do país ou até mesmo
fora de aeroportos que fiquem dentro da cidade , disse que são inúmeros
aeroportos nessa situação. E que não
considera o aeroporto como dentro da cidade.”
Se o Leite
Lopes não está dentro da cidade, onde será que está?
E o nobre
vereador, presidente da CEE, parece concordar com o depoimento, já que não fez
essa pergunta ao depoente, convidado que foi por ser pessoa conhecedora[6]!
Todas as
ações foram promovidas tendo como objetivo consolidar a inevitabilidade da
ampliação e teve a adesão quase unanime das mídias locais.
A sociedade
civil, reunindo as verdadeiras forças vivas da cidade, recusou-se em aceitar a
ampliação do Leite Lopes sem o aval de
estudos sérios não só de engenharia de aeroportos mas que também fossem levados
em conta estudos socioambientais e
econômicos e que a alternativa novo aeroporto
também fosse considerada, não tendo como única justificativa que a
ampliação seria a condição de menor
custo, ou seja, a “mais baratinha”.
Ribeirão
Preto é uma cidade que merece respeito e não pode ficar â mercê de interesses
exclusivamente econômicos e interessantes apenas para alguns setores muito
específicos.
A cidade
não aceitava que o aeroporto Leite Lopes se tornasse um novo Congonhas, ou
seja, um aeroporto meia boca. Por isso tinha que se insurgir!
Nascia,
agora, de forma organizada, o Movimento Pro Novo Aeroporto tendo reunindo
diversas entidades tais como a Associação Ecológica e Cultural Pau Brasil, a Associação Humanística
de Ribeirão Preto, a Associação de Moradores
do Jardim Aeroporto, a Associação de Moradores da Vila Hípica, entre
muitas outras, além de personalidades diversas.
Para fazer
face a esse Movimento, além da manipulação da informação publica pela mídia, o
poder político cooptado pelo poder econômico passaram a tentar cooptar
diretorias de Associações de Moradores através do que chamaram de Agenda
Positiva, que de positiva não tinha nada e que o Movimento Pro Novo Aeroporto
denominava de Papai Noel Leite Lopes.
Vamos ver
alguns exemplos:
Na reunião da
Agenda Positiva de 12/06/1999 foi dado como que um ultimato a todos os representantes
das comunidades atingidas pelo empreendimento, tentando enganá-los com a sua
inevitabilidade:
E qual
seria essa Agenda Positiva e quem poderia participar dela? Na reunião do dia
01/12/1999 tudo começa a ficar mais claro:
Passa a
ficar claro que a Associação de Moradores que fosse contra o empreendimento ficaria de
fora das discussões da Agenda, numa demonstração clara que não se admitiriam
opiniões contrárias às político-administrativas do poder público municipal e
estadual, coligados para a privatização do patrimônio público enfatizado como
já decidido e por isso irreversível, ou como afirmado no dia 12/06/99 essa
decisão não dependeria de posicionamentos de populares ou entidades civis.
Um exemplo
de como as coisas em Ribeirão Preto acontecem na “democracia da república dos canaviais”, eliminando-se da discussão
os elementos contrários à vontade dominante dos negócios.
Também
admitem que só serão considerados no Edital os compromissos assumidos perante
os membros da Agenda Positiva que forem aceites pela Comissão de Licitação!
Isto é, se a Comissão de Licitação não concordar com nada, a tal Agenda
Positiva terá sido inútil.
Daí nasceu
o termo “Papai Noel Leite Lopes”. Os
moradores do entorno do Leite Lopes são pobres, de baixa escolaridade mas não
são fáceis de engabelar.
Tentaram
ainda jogar com a ganância das pessoas presentes afirmando que vai haver uma
valorização imobiliária por causa do empreendimento. É a mesma técnica usada no
golpe do bilhete premiado.
E a maior
de todas: será criada uma Escola Profissionalizante para oferecer cursos para a
comunidade do complexo aeroporto, com cursos preferencialmente de profissões típicas de aeroportos! E quais seriam esses cursos?
E
prosseguem nessas promessas de Papai Noel, conforme definido na reunião do dia 09/05/2000 onde é reiterada a
implantação de cursos profissionalizantes com a condição adicional de que serão
preferenciais e ou exclusivos para os moradores locais:
Questionando
as afirmações do Papai Noel Leite Lopes se esses cursos podem ser exclusivos
para os moradores locais, a resposta é evasiva: não sabe mas o que importa é
que é uma justa medida...
Como
resultado final de todas estas Agenda Positivas do Papai Noel Leite Lopes, o
Movimento Pro Novo Aeroporto, através de diversas associações de moradores,
tomou a iniciativa de levar ao conhecimento do Ministério Público dos fatos
ocorridos:
O Grito de
Liberdade da Periferia contra a ampliação do aeroporto e seus malefícios foi
realizado e incluiu o evento de plantio de árvores. A mídia convidada não
apareceu.
Era a
confirmação da proibição à mídia de noticiar as atividades do Movimento Pro Novo
Aeroporto.
Chegamos ao
final do primeiro capitulo da novela A Ampliação do Leite Lopes.
A ênfase
dada para a tal inevitabilidade e irreversibilidade da ampliação não se
concretizou.
Até hoje,
passados mais de 14 anos. O que significa que o projeto de ampliação do Leite
Lopes em lugar de construção de um novo aeroporto é absolutamente
inconsistente.
E nesse
tempo já teria sido possível ter construído um novo aeroporto, que já estaria
em operação.
Um
Movimento Popular, sem nenhum apoio da mídia local mas através de ações
consistentes tem conseguido barrar um empreendimento que insiste em se instalar
no Leite Lopes quando poderia muito bem ser implantado num aeroporto a sério,
em local adequado, com qualidade para os seus passageiros e cargas e com a
capacidade de ampliações futuras de forma a atender às necessidades do
desenvolvimento regional, dando-se outra destinação, também aeronáutica e
aviônica, ao Leite Lopes.
Aeroporto
novo, em local adequado, dentro dos padrões que o atual momento de demanda pelo
modal aeronáutico exige, sem causar
danos sócio ambientais nem o caos urbanístico que as obras previstas para essa
ampliação causariam a Ribeirão Preto.
A Saga do
Leite Lopes e do Novo Aeroporto ainda não acabou. Voltou ao judiciário. Por isso o Movimento Pro Novo Aeroporto
continua atuante porque é composto por todos os segmentos lúcidos da sociedade,
porque é um movimento que teve a sua origem em reivindicações genuinamente
populares.
Podem vir
com as Agendas Positivas Papai Noel Leite Lopes que quiserem porque o Povo esclarecido jamais
será iludido, nem mesmo com a manipulação da opinião pública.
[1]
Lei Complementar 501/95 art. 29 item X: prever área para nova localização do
aeroporto, externamente ao Anel Viário, visando menor interferência na área
urbanizada
[2] TDA Trade and Development Agency (Agência de
Negócios e Desenvolvimento)
[3]
Depoimento do Secretário de Planejamento
à CEE da Câmara Municipal a fls. 10
[4]
COMUR Conselho Municipal de Urbanismo
[5]
Ata do dia 12/08/97 fls. 9 e 11
[6]
O depoente era o Secretário de Planejamento